segunda-feira, 16 de abril de 2012

Usuários do crack lotam hospitais psiquiátricos Hospitais psiquiátricos se transformam na última esperança para usuários da droga, mas convivência com pacientes portadores de transtorno mental causa problemas


Tiago de Holanda - Texto
Publicação: 16/04/2012 06:36 Atualização: 16/04/2012 07:19

Por insistência da mãe, Luciano se internou para se livrar da dependência química, mas tem medo de ser agredido (Túlio Santos/EM/DA Press)
Por insistência da mãe, Luciano se internou para se livrar da dependência química, mas tem medo de ser agredido

Sílvio (nome fictício), de 47 anos, internou-se semana passada, por vontade própria, no Instituto Raul Soares, em Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte. Viciado em álcool e crack, ele buscou o hospital psiquiátrico para se livrar das drogas, uma situação que está se tornando cada vez mais comum. Na capital, usuários de crack lotam os dois principais hospitais públicos do Complexo de Saúde Mental da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). No Instituto Raul Soares, dos 108 leitos psiquiátricos voltados para internação gratuita de casos agudos, 88 estão ocupados por dependentes da droga (81%). No Hospital Galba Veloso, a situação é bem semelhante: 70 dos 115 leitos estão destinados a viciados, o equivalente a 61% do total.

Para o psiquiatra Paulo Roberto Repsold, coordenador de saúde mental da Secretaria de Estado da Saúde, o recurso de internar viciados em crack e portadores de transtornos mentais no mesmo espaço mostra como o avanço da droga se tornou crítico. “Estamos atravessando uma endemia de crack, uma doença complexa, crônica e de altíssima taxa de reincidência. Temos de usar todas as vagas para atender a demanda por internação de usuários da droga. O número de leitos em hospitais gerais é mínimo,” justifica o médico.

Maurício Leão, diretor do Raul Soares e presidente da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), ressalta o tamanho do problema. “O desafio do crack é grave demais para a cidade. O hospital psiquiátrico ainda é um lugar que se apresenta como disponível para internar esses pacientes. Nenhum outro ambiente está conseguindo acolher os usuários da droga”, defende. Segundo ele, a demanda por vagas para internação de dependentes de drogas no Raul Soares é duas a três vezes maior em relação à capacidade do hospital. “As mães chegam aqui desesperadas, implorando para internar seus filhos. O Ministério Público encaminha dependentes químicos para cá e a polícia despeja os usuários de crack que se envolvem em crimes”, conta o diretor. O período de internação varia de 24 horas a 30 dias.

Dos 88 dependentes químicos internados no hospital, cerca de 30 foram encaminhados pela Justiça para internação compulsória. “Corro até o risco de ser preso por descumprimento de ordem judicial se não arranjar vaga na hora”, explica Leão. Segundo ele, a aceitação dos dependentes de crack no Raul Soares, voluntária ou compulsória, cria problemas de outra ordem para o hospital psiquiátrico. “Tenho de chamar a polícia para vigiar os horários de visita dos pacientes, evitando que amigos e familiares tragam drogas disfarçadas na comida ou nas roupas. Já flagramos também a internação de traficantes que se fazem passar por pacientes e vendem drogas dentro do hospital. Não é uma questão simples”, afirma.

Agressões e temores

A convivência entre drogados e portadores de transtornos mentais não é tranquila. Os usuários de crack se sentem desconfortáveis e confessam ter medo de ser atacados. No pátio do Raul Soares, um rapaz se aproxima e oferece café e um pedaço de pão com manteiga para Sílvio. Depois, se afasta. “Esse menino é muito gentil, mas é esquizofrênico. Aqui tem todo tipo de pessoas: usuários de drogas, loucos. Eu preferia que separassem”, comenta Sílvio, e acrescenta: “Tem um baixinho aí que é completamente louco, briga com todo mundo. Me deu um soco pelas costas, de graça. O pessoal já falou para eu tomar distância dele.”

Como Sílvio, o pedreiro Luciano (nome fictício), viciado em crack, pediu para ser internado no Raul Soares, onde está desde 31 de março. Cedeu à insistência da mãe e foi para o hospital. O uso contínuo da droga já o afetou. Não se lembra da própria idade: “Estou com quantos anos, mãe?” A mulher responde: “Vou te dar uma dica. No próximo mês você faz aniversário. De quantos anos?” O rapaz pensa um pouco: “Vou fazer 25”. A mãe confirma.

Luciano tem receio de os “doidos”, como diz, lhe fazerem mal, especialmente à noite. Para se sentir mais seguro, fez um acordo com dois dependentes químicos com quem divide o quarto: “Um defende o outro. A gente fica atento para não deixar doido entrar no quarto. Se um entrar, quem acordar primeiro tem que botá-lo para fora.” O rapaz, que morava com a mãe no Bairro Juliana, Região Norte da capital, preferiria que os usuários de drogas fossem tratados à parte. “Acho ruim. As coisas que são para o doido não servem para o dependente. Não dá para tratar os dois juntos”, argumenta.

“Aqui tem gente de toda espécie”, reconhece Gilberto, o rapaz que ofereceu café e pão a Sílvio. Diagnosticado como esquizofrênico, ele não se incomoda em conviver com dependentes químicos. “Não tenho preconceito nenhum contra quem usa droga, não tem nada a ver”. Ele desconfia é de funcionários do instituto: “Aqui, tanto faz amanhecer vivo ou morto”. Em poucos minutos de conversa, Gilberto atribui diferentes identidades a seu interlocutor. Em um momento, está diante de seu “irmão mais querido”. No instante seguinte, dá ordens ao “escrivão” responsável por redigir seu testamento.

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